Um motivo lógico para você ser contra a pena de morte

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No presente texto, diferentemente dos demais postados por mim aqui no no site, tenho como público alvo as pessoas em geral, e não apenas os estudantes e operadores do Direito. Pretendo, pois, demonstrar ao leitor um único e, creio, decisivo motivo para ser contra a pena de morte.

Por ser um texto destinado a público mais amplo, não aprofundarei em conceitos e teses do mundo jurídico. O argumento para a ideia aqui exposta, conforme se verá, é puramente lógico e parte da premissa de que um sistema de julgamento pretensamente ideal deve, de início, considerar a chance de sua falibilidade para não cometer nenhuma injustiça.

Poderia, aqui, traçar um histórico da tratativa da pena de morte – também chamada de pena capital – nos ordenamentos jurídicos do mundo e do Brasil, mas isso desvirtuaria o objetivo do texto, que não é tratar da história, mas sim convencer o leitor da necessidade premente de se afastar a pena de morte como possibilidade de consequência de um julgamento.

O ser humano é potencialmente falho

Não é necessário muito esforço intelectual ou argumentativo para se perceber que o ser humano, em suas ações, pode falhar. E aqui não se usa “falha” no sentido de corrupção moral , ou seja, em hipóteses em que o ser humano, ao agir, o faz deliberadamente em desatenção à virtude, falhando no campo da moralidade (quando, por exemplo, aceita suborno para agir de forma diferente da que agiria sem esse incentivo financeiro). Embora não se ignore esse tipo de falha possível, abordaremos, aqui, outro tipo de falha, a intelectual.

Estabelece-se, então, como falha intelectual aquela sendo decorrente da inaptidão do ser humano a sempre alcançar o fim pretendido de uma ação, seja por desatenção à técnica necessária para tal, seja pela influência de inúmeros fatores externos que podem desde distorcer minimamente o resultado alcançado em relação ao obtido ou até mesmo ensejar resultados diametralmente opostos, como pode ocorrer num processo penal, já que, em regra, se considerada cada acusação isolada, os cenários possíveis após um julgamento são binários, isso é, extinção da punibilidade (seja por absolvição, prescrição, etc.) ou condenação.

Se a falha decorrente da corrupção moral pode ser mais facilmente provada e/ou mensurada, “bastando”, para evitar-lhe, afastar os maus e os mais potencialmente corruptíveis do poder, a falha intelectual é humanamente inevitável.

É que a falha intelectual decorre da própria limitação cognitiva humana. Por mais inteligente, sábio e conhecedor que um indivíduo seja e/ou pareça ser, a cognição humana é, em si, limitada e falível. Indivíduos, ao agir, são influenciados por diversos fatores além do seu controle, alguns deles, muitas vezes, inimagináveis de primeiro plano. E a falibilidade do ser humano está em precisamente não perceber muitos desses fatores de influência e, por consequência, não conseguir deles se blindar.

E com os julgadores não é diferente. Há estudos que indicam que a variação de alguns fatores pode influenciar nas decisões judiciais, podendo, por exemplo, um ambiente agradável de trabalho influenciar positivamente um julgador ao decidir, de modo a estar mais propenso a julgar atento à prova dos autos, enquanto que um ambiente desagradável o faz decidir de forma mais acelerada e, presume-se, menos cautelosa, sobretudo quando se trata de processos, nos quais, por vezes, a verdade é extraída de detalhes. Há estudos que indicam, inclusive, que aquilo que o julgador comeu antes de julgar pode influenciar na sua tomada de decisões.

Além dessas formas de influência derivadas do ambiente físico em que está situado o julgador, há também aquelas estritamente relativas aos processos. Ora, é bem verdade que, sem prejuízo da desejável busca pela verdade real, os juízes, muitas vezes sobrecarregados de trabalho, se contentam com a “verdade processual”, ou seja, aquela “verdade” decorrente unicamente da prova dos autos, prova que é limitada e, em regra, não abrange as inúmeras nuances da realidade dos fatos, nem mesmo aquelas nuances perceptíveis pela sensibilidade humana, eis que a nossa compreensão de mundo é limitada por nossas capacidades intelectivas e biológicas.

Se a falha humana é certa ao menos no campo da possibilidade, pergunta-se: como ter a certeza de que uma ação humana como o julgamento é sempre correta no sentido de corresponder aos seus objetivos, quais sejam, em caso de julgamento condenatório, identificar que um fato definido como crime ocorreu (materialidade), aferir o responsável pelo fato (autoria) e afastar circunstâncias descaracterizadoras do crime (ausência de ilicitude e/ou de culpabilidade)?

A depender do caso, do julgador, das circunstâncias do processo e de inúmeras outras que ainda sequer foram percebidas pelo homem ou pelo articulista que vos escreve como influenciadoras da tomada de decisão, tem-se que a mera possibilidade de falha humana no exercício da atividade julgadora já é suficiente para demonstrar o real risco de se cometer injustiças.

Se há o risco real de se cometer injustiças, indago o leitor: é viável um julgamento cuja pena, se cumprida, projete efeitos definitivos para aquele que foi condenado?

Ora, por mais que se argumente que o tempo de prisão perdido em razão de uma condenação injusta é irreparável, sendo, no máximo, indenizável, e nem por isso defenda-se o fim da pena de prisão, verdade é que, no caso dessa modalidade de pena, o injustiçado ainda tem as chances (pequenas) de buscar um novo julgamento, mesmo após esgotar as chances de recurso no julgamento anterior. Todavia, o condenado em primeira instância à pena de morte, se, por algum motivo (falta de dinheiro para contratar advogado, desleixo do profissional contratado, etc.) não recorre ou, ainda que recorrendo, tem seu recurso improvido (“julgado improcedente”), a execução da pena capital é certa, mesmo que injusta.

Assim, o indivíduo injustiçado morre sem conseguir demonstrar a sua própria inocência, e qualquer eventual revisão futura de seu caso terá apenas o efeito de “limpar a sua honra”, mas, por óbvio, nenhuma decisão posterior declaratória de sua inocência fará retornar-lhe à vida (mesmo que, aparentemente, alguns colegas operadores do Direito, talvez imbuídos por um fetiche autoritário estatal, acreditem cegamente que um comando do Estado, seja ele advindo de decisão judicial ou não, tem o condão de alterar a realidade, afinal, quem nunca já ouviu o mau e medieval uso da técnica ao dizerem que, “se um juiz decide que o quadrado é redondo e a decisão transita em julgado, o quadrado torna-se redondo”).

Desse modo, por mais que alguns, em uma acepção aritmética do termo “justiça”, defendam que a pena justa para o praticante de um homicídio seja perder a sua própria vida, em retribuição ao mal que causou a outrem, tem-se que, indubitavelmente, para definir-se a culpa é necessário um julgamento e, como dito, em sendo o julgamento ação humana vulnerável a falhas, a adoção da pena de morte pode, paradoxalmente, conduzir a um cenário de injustiça.

Noutras palavras, ainda que, como alguns gostam, ignore-se totalmente o caráter pedagógico e ressocializador da pena, considerando-se justo e ideal que um homicida “pague” pelo crime com a sua vida, fato é que o julgamento que leva à atribuição de culpa é potencialmente falho e, portanto, incorre no risco de condenar injustamente um inocente.

Assim, pelo risco de se condenar injustamente um inocente é que, defende-se, mesmo que a justiça desejada seja a mais severa possível, punindo com morte aquele que causou morte, é melhor para a sociedade que se puna com prisão, pois, ainda que o tempo perdido no cárcere por uma condenação injusta seja, repita-se, irreparável, remanescerá a chance do sujeito provar a sua inocência, o que de nenhum modo ocorre após executada a pena capital.

Basta, pois, um pouco de empatia, não com a figura do homicida, mas sim com a figura do potencial inocente, para que se perceba que, diante da infeliz imperfeição do humano julgador, é melhor que se puna menos severamente (com prisão, ainda que perpétua) o possível culpado do que assumir o risco de se punir mais severamente (com morte) o possível inocente.


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Lucas Cotta de Ramos

👨🏻‍💼 Advogado, professor e autor de artigos jurídicos.